Vygotsky

Vygotsky foi um intelectual que nasceu e viveu na antiga União Soviética. Cresceu em um ambiente familiar intelectualizado, que pode ter dado a ele uma visão de sua própria subjetividade em relação a sua teoria a respeito da Zona de Desenvolvimento Proximal. Morreu jovem, com 37 anos, apesar disso deixou uma grande produção escrita. Porém ele não pôde fazer uma construção mais significativa de sua teoria, assim como fez Piaget, que escreveu livros e livros e embasou fortemente sua teoria ao longo de mais de 50 anos se não me engano. Vygotsky teve uma grande influência do materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, podendo-se perceber em sua teoria uma análise sócio-histórica da condição humana.
Ele estava interessado em estudar os processos mentais superiores. Os pensamentos, a consciência, as diferenças entre as representações mentais entre os humanos e os outros animais. É a partir daí que eu começo a perceber um pouco de semelhança na teoria de Vygotsky e a teoria Behaviorista. Claro, que pautadas em aspectos relativos. Semelhantes, porém não iguais. Me refiro ao conceito de mediação, que é essencial para se entender os estudos vygotskianos em relação aos processos mentais superiores. Para Vygotsky, quando o sujeito é estimulado emitindo uma determinada resposta, há um elemento que liga, que faz a mediação entre o estímulo e a resposta. Então Vygotsky faz a distinção de dois tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos.
É interessante perceber as influências do meio social em que ele vivia para construir suas teorias. A União Soviética estava impreganada pelas idéias socialistas. As relações do homem e o trabalho. Um modo de ver o mundo baseado na produção material, do sujeito que constrói sua história a partir da relação com o seu meio natural e social. E é o trabalho que pode fazer essa ligação entre o homem e a natureza. E para que o homem aja sobre a natureza, o elemento mediador Vygotsky coloca em sua teoria, é o instrumento. O instrumento faz a ligação entre o trabalhador e o objeto a ser trabalhado. Os animais também se utilizam de instrumentos, porém o fazem de forma rudementar, se utilizando de elementos já feitos da natureza. O homem tem a capacidade de criar instrumentos altamente específicos.
Assim Vygotsky já começa a demonstrar a característica básica de seu arcabouço teórico que seria a famosa premissa “de fora para dentro”. Pois os signos seriam analogamente instrumentos de trabalho, mas do trabalho mental. Os signos servem como auxiliar na criação da realidade subjetiva. No filme Náufrago, as marcações com traços na parede indicavam os dias, meses e anos.
Com o desenrolar da evolução humana e hoje em dia, com o desenvolver do indivíduo os signos passam a ser internalizados. O homem então cria os sistemas simbólicos possibilitando a organização dos signos de forma complexa e articulada. Um exemplo disso é a evolução da escrita. Os hieróglifos possuiam uma representação mais direta com a realidade, pois sua escrita era feita através de desenhos pictográficos. Antes dos hieróglifos, quando não se tinha uma escrita, os homens já pintavam suas cavernas tanto para representar o que eles iriam fazer, assim como para se comunicar com algum membro de sua família. Se ele fosse caçar um búfalo, ele poderia pintar um búfalo morto na parede da caverna. E servia de comunicação, porque se por exemplo, a mulher estivesse preocupada, “oh meu deus, para onde foi meu marido?” ai ela iria olhar a imagem do búfalo morto e iria pensar “ah, ele deixou um recado. Saiu pra caçar”. Claro que não sei se era assim, se a mulher iria pensar isso, ou o homem tinha feito de propósito, mas serve para ilustrar o seu uso.
Com o tempo, o indivíduo não precisa mais do concreto, para representar mentalmente os objetos externos. Ele internaliza e cria signos internos próprios da sua subjetividade.
Isso me faz lembrar um pouco a plasticidade neural e a vida de Albert Einstein. Quando ele morreu os cientistas queriam estudar o cérebro dele e saber o porque dele ter uma capacidade cognitiva tão excepcional. Achavam que ele tinha um cérebro maior do que o normal. Estavam enganados, Einstein tinha um cérebro do tamanho normal, só que a diferença, era que o cérebro dele tinha muitas e muitas vezes mais conexões sinápticas do que um cérebro comum. Eu li uma vez que ele afirmou que quando estava desenvolvendo a teoria da relatividade, ele se imaginou sentado na cauda de um feixe de luz. É como se o nível de desenvolvimento cognitivo estivesse ligado a capacidade de abstração e interligação entre diversos signos e símbolos internalizados. Pode-se pensar por exemplo, nos grandes teóricas da psicologia e os grandes filósofos. Essas pessoas tinham e têm, uma capacidade muito grande de abstração da realidade. Muitas vezes eles acabam criando sistemas simbólicos próprios para poderem dar conta de suas construções teóricas.
Para que o indíviduo internalize os sistemas simbólicos ele precisa interagir ativamente com o meio social. Outra vez eu consigo perceber uma conexão da teoria de Vygotsky com o Behaviorismo. Pois Vygotsky diz que o indíviduo primeiro age no meio, e as pessoas ao redor é que vão interpretar a ação do indíviduo a partir dos significados socialmente criados. Isso para mim é característico do comportamento verbal. “As pessoas ao redor” na verdade seriam a comunidade verbal.
Um bom exemplo ilustrativo disso são as gírias. Quando eu vim para Salvador eu não conseguia entender várias palavras que me diziam. Na verdade eu levei anos para entender o significado da palavra “nenhuma”, usado em forma de gíria aqui em Salvador. Eu também demorei a entender porque eu nunca perguntei o que queria dizer “nenhuma” e as situações em que as pessoas usavam eram muito diferentes. Eu não conseguia perceber um padrão. Vou dar alguns exemplos de situações. Alguém me pede uma caneta emprestada, eu digo que não vou emprestar, ela então diz: “É nenhuma vei”. Agora se ela me pede e eu quero emprestar, eu posso dizer: “É nenhuma, pode pegar”. Ou se eu digo que vou passar na casa de alguém, a pessoa pode dizer: “É nenhuma, passe lá depois”. Existem diversas variáveis para “nenhuma” em forma de gíria e eu não conseguia perceber de forma alguma. Com o tempo é que eu fui perceber que “nenhuma” era sinônimo de “tudo bem”, ou “beleza”. Isso mostra que para que o sujeito internalize os significados sociais é preciso que ele seja ativo nesse processo. Eu demorei muito tempo pra compreender essa gíria porque eu não questionei nem um membro da minha comunidade verbal a respeito disso.
Vou falar um pouco agora sobre pensamento e linguagem. A linguagem possibilita a comunicação entre os membros da espécie humana. O aprimoramento da linguagem se deu pela necessidade de uma comunicação mais específica interligada com as relações de trabalho.
Desde o segundo semestre quando eu estava estudando pensamento e linguagem, eu ficava pensando se uma pessoa tivesse conseguido nascer e crescer na selva e não tivesse tido contato nenhum durante sua vida com qualquer membro de uma comunidade social com uma linguagem cuturalmente desenvolvida, ela teria linguagem? E se ela tivesse, como seria ? Formulando essas perguntar eu pude compreender que na verdade, a linguagem serve também como mediação entre o sujeito e o mundo. Não seria só uma mediação entre o sujeito e o meio social, mas também com o meio natural.
Pensando nisso Vygotsky explica então justamente isso, dizendo que a linguagem tem um momento que é pré-intelectual. Na fase pré-intelectual da linguagem, não existiria a internalização dos sistemas línguisticos sociais. Seria uma fase onde o indivíduo agiria mais como reflexo do seu biológico. E ele diz então, que o pensamento tem origem e desenvolvimento diferente da linguagem, tendo o pensamento uma fase pré-linguística. Contudo em um certo momento do desenvolvimento humano, o pensamento e a linguagem se encontram, dando origem ao pensamento verbal e a linguagem racional. O pensamento verbal é bem característico das “falas interiores”. Já a linguagem intelectual pode expressar ações e objetos sem a necessidade da realização ou a presença dos mesmos.
O significado das palavras tem uma importância muito grande na constituição do pensamento verbal e na subjetividade do sujeito. Para Vygotsky, existe o significado propriamente dito de uma palavra, que seria aquilo que é compartilhado por todas as pessoas de uma comunidade verbal. E existe o sentido, que seria o significado que uma palavra tem para cada pessoa. Para mim a palavra “morte” significa algo natural, uma passagem, algo que não é bom, nem ruim. Já para uma outra pessoa a palavra “morte” pode ser uma coisa terrível, e tem muito receio e medo da morte, e sempre que essa pessoa ouve a palavra “morte” ela lembra de imagens ruins. Percebo que muitas tipos de terapias, acho que a cognitiva talvez, trabalhe essa subjetivação da linguagem em forma de pensamentos no sujeito.
O ponto principal de divergência entre Piaget e Vygotsky é o discurso interno e a fala egocêntrica. O discurso interno seria o “falar”, só que em forma de pensamento, para organizar, estruturar e auxiliar as funções psicológicas. Fica claro na teoria vygotskyana, que o sujeito ele produz a fala egocêntrica como uma passagem para o discurso interno. É uma passagem do concreto, do objetivo, para o particular e subjetivo do indivíduo.
“Diga-me com quem andas, e te direi quem és”, por Sócrates. Essa frase resume um pouco o que eu penso sobre a zona de desenvolvimento proximal. Ela seria a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenolvimento potencial. O nível de desenvolvimento real, seria o nível onde o sujeito já consolidou suas aprendizagens e pode utilizar seus conhecimentos de forma autônoma. Já o nível de desenvolvimento potencial, é o nível onde ele resolve algum tipo de problema com o auxílio de alguma outra pessoa. Eu penso que a frase de Sócrates pode ilustrar isso, porque ao decorrer do meu desenvolvimento eu aprendi determinadas coisas e adquiri certas habilidades. E essas certas habilidades é que podem me possibilitar aprender coisas novas. Só que eu só iria aprender coisas novas estando em contato com outras pessoas. Por exemplo, em relação a minha fascinação pelo xadrez. Quando eu jogava xadrez no colégio, eu jogava apenas contra outros colegas meus dentro do colégio. Chegou um momento que todos estavam praticamente no mesmo nível de jogo. Porém, quando eu comecei a frequentar o clube de xadrez, e comecei a jogar com outras pessoas mais experientes, meu nível de jogo tinha aumentado em relação aos meus colegas. Porém, meu nível de jogo mesmo depois de muito tempo, era inferior ao dos jogadores do clube de xadrez. Só que daí eu comecei a estudar algumas estratégias e táticas, a teoria do xadrez, e meu nível começou a aumentar novamente, agora em relação aos jogadores do clube.
As crianças vivem no agora. Tudo para elas devem ser realizadas de imediato. Só que muito dos desejos não podem ser realizados imediatamente, então o que ela faz? Ela cria uma situação imaginária, para satisfazer esse desejo. É ai que entra a função do brinquedo na constituição psíquica da criança. Imaginar de certa forma é realizar aquilo que não se pode realizar. Só que, as crianças estão ainda em um nível de inteligência prática. Elas ainda estão internalizando o mundo a sua volta. É por isso que elas precisam do brinquedo, para representar imaginativamente o que elas querem realizar. Já para os adultos, se os desejos no momento não podem ser satisfeitos, eles não precisam necessariamente passar para um dimensão concreta. Eles apenas criam uma imagem mental, imaginando que estam realizando o desejo.
Pensando nisso, eu fiz uma conexão com a psicanálise. Não sei se esse meu pensamento, é totalmente coerente com a teoria psicanalítica, mas para mim tem bastante lógica. Uma pessoa pode ter um desejo muito grande por determinada coisa, só que as condições de realização dessa coisa são para ela, impossíveis. Esse desejo acaba criando na pessoa uma exaustão mental muito grande. Porque por mais que ela imagine realizando esse desejo, ela não se sente satisfeita. Então, talvez, o próprio sistema psíquico da pessoa, como forma de amenizar o sofrimento dela, crie delírios e alucinações. É engraçado pensar isso, porque na infância um amigo imaginário pode ser algo natural do desenvolvimento da criança. E não, uma patologia em si. Acabei de ter um insight agora ( heheheheh ). Lembrei de Wilson, do Náufrago. Um amigo imaginário está para uma criança, assim como Wilson estava para o personagem de Tom Hanks. No filme ele utilizava Wilson como forma de estruturar os próprios pensamentos, e fazer uma organização psíquica. Isso foi importante para ele porque pôde manter a sanidade mental dele, apesar de ter sido um pouco afetado emocionalmente pela situação. Para a criança, o brinquedo, não serve apenas como uma realização do desejo, que ocasionaria o prazer, pois muitas vezes uma brincadeira, não é sinônimo de prazer. Mas serviria também como uma forma de organização psíquica da realidade.
Vygotsky afirma que toda brincadeira possui regras. Se uma criança brinca de polícia e ladrão, ela precisa seguir determinadas regras de comportamento de como um policial e um ladrão agem. E ele afirma que em um determinado momento, a regra torna-se um desejo. É a partir daí que as brincadeiras já não satisfazem mais o indíviduo. Pois agora, ao invés dele querer brincar de ser policial, ele quer ser o policial. A realização da regra, passa a ser a realização do desejo.
As teorias da aprendizagem de Vygotsky e Piaget se diferem pois eles formularam perguntas diferentes. Eu percebi uma coisa muito interessante a respeito do “de fora para dentro” de Vygotsky e “de dentro para fora” de Piaget. Claramente percebe-se na teoria de Vygotsky a sua influência do socialismo, da questão da comunidade, do coletivismo. Já para em Piaget, há a influência de um mundo capatilista, focando mais no individual.
Todas as teorias possuem uma contrução conceitual diferente. Eu faço uma analogia das teorias psicológicas, com os idiomas. Por exemplo, consciência, no behaviorismo quer dizer uma coisa diferente na psicanálise. A palavra é a mesma, mas o significado é diferente. Como no inglês não existe nem uma palavra que tenha o mesmo significado que a palavra em português saudade, muitas conceituações não podem ser traduzidas de uma teoria psicológica para outra. Só que no caso das teorias vygotskyanas e piagetianas, em um nível prático, elas podem ser complementares.

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